
Economia fraca e calor. O que esperar da coleção de inverno?
O varejo se prepara para enfrentar as duas das estações mais difíceis do ano, o Outono e o Inverno, justamente as que sempre foram as mais esperadas e rentáveis.
Indicadores menos favoráveis ao consumo, como inflação e juros altos, e temperaturas mais elevadas levam os comerciantes a tocar o negócio em ritmo de aposta e torcida.
A aposta é que, com base em previsões meteorológicas, o inverno será mais quente que a média. A torcida é para que faça frio pelo menos perto do Dia das Mães e do Dia dos Namorados.
Lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio dizem que a coleção terá um tamanho parecido com o do ano passado, seguindo o conceito de peças para meia-estação.
O consumidor, portanto, deve ver nas vitrines menor variedade de artigos mais pesados, como casacos, jaquetas e suéteres de acrílico ou lã.
Os preços estarão 3,5% acima dos de 2024, em média, e o volume de peças, 1,8% maior, de acordo com levantamento e estimativa da consultoria IEMI – Inteligência de Mercado.
Esses números, de acordo com Marcelo Prado, sócio do IEMI, revelam a perda de força do setor de vestuário no Brasil, que teria capacidade para produzir e vender até 30% mais.
Gregory
Com 43 lojas, uma das redes mais tradicionais de moda feminina do país, a Gregory, acaba de lançar um preview da coleção com tecidos mais leves e fluidos, em tons terrosos e azuis.
“O desafio é fazer a bola de cristal funcionar. Fazemos uma pesquisa interna com as mulheres. Se todas dizem que comprariam as peças, acertamos na coleção”, diz Andrea Duca, diretora da Gregory.
A aposta da rede, que reduziu em 20% o número de modelos em relação a 2024, é de um inverno ameno e, portanto, as peças da marca serão produzidas com tecidos leves.
No passado, a Gregory chegou a importar 30% da coleção de inverno. Hoje, compra tudo no mercado brasileiro em razão da falta de frio e da alta do dólar.
Ainda assim, diz Duca, como os tecidos são importados, os preços das peças estão, em média, 12% maiores neste ano, na comparação com igual período de 2024.
No ano passado, o preço médio das peças era de R$ 638 e, neste ano, de R$ 728.
Caedu
Com foco nas classes C e D, justamente as que têm mais sofrido com as condições macroeconômicas, a rede Caedu, com 98 lojas, decidiu reduzir a participação de peças de inverno e reforçar a linha que chama de ‘primeiro-preço’, mais em conta.
“As roupas de inverno representavam de 48% a 50% da coleção para venda de março a agosto. Hoje, 46%. Nosso foco para este ano são peças mais leves, de mangas longas e moletons”, afirma Crystiane Gama Alves, diretora comercial da Caedu.
Jaquetas e artigos mais pesados, com preços mais altos, estão sendo trocados, diz ela, por outros com a mesma faixa de preço e que podem ser usados o ano todo, como calças jeans, preservando o tíquete médio mais elevado da estação.
A rede importa cerca de 30% da coleção de inverno. Por conta da alta do dólar, esses produtos devem custar 15% mais neste ano, na comparação com o ano passado.
Para dar impulso às vendas da coleção, a rede conta com cartão próprio, que já representa 30% do faturamento total da empresa. O cliente pode parcelar a compra em até 5 vezes, sem juros.
“Estamos também oferecendo uma jornada de visual merchandising na loja para que o consumidor tenha uma experiência adequada e resolva rapidamente a compra. E queremos saber as notas que ele dá para atendimento, produto, fila no caixa, qualidade”, diz.
Tommy Hilfiger
Com 26 lojas próprias, 56 franquias e 2 mil multimarcas, a Tommy Hilfiger vai ter parte das peças vinda de fora do Brasil, principalmente da Ásia, o que é uma estratégia da marca.
“A coleção de inverno é sempre aquela em que o lojista tem de fechar os olhos e ir em frente. Um ano é espetacular e o outro faz o varejista ter dor de barriga. O desafio é vender o produto certo na hora certa”, afirma Paulo Matos, diretor-geral da marca no Brasil.
A Tommy Hilfiger aumentou em 7% o volume de peças em relação a igual período do ano passado, para atender novas lojas. Os preços estarão 12% mais altos devido ao dólar mais caro.
Para a marca, mais do que o desempenho de indicadores econômicos, o que impacta de fato o ritmo de vendas, diz Matos, são as viagens para o exterior e o humor dos brasileiros.
Confiança
Se esse é um indicador importante para pelo menos parte do varejo, vale dizer que 2025 não começa muito bem para os comerciantes, considerando recente pesquisa da FecomercioSP.
O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), medido pela federação, caiu 12,8% em fevereiro na comparação com igual mês de 2024, atingindo 120,3 pontos, revelando maior preocupação dos brasileiros com a economia.
O Índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), que reflete a percepção e a intenção de consumo, caiu 3,9% em fevereiro, para 109,8 pontos, sobre igual mês do ano passado.
A escala de pontuação vai de zero (mais pessimismo) a 200 (mais otimismo).
Gastos sazonais, como pagamento de IPTU e IPVA, podem ter pesado nos resultados de fevereiro, assim como a política monetária mais restritiva, de acordo com a FecomercioSP.
Fábio Pina, economista da federação, diz que a coleção de inverno chega justamente num momento em que, além de o consumidor estar menos confiante na economia, está endividado. Em São Paulo, cerca de 70% das famílias possuem dívidas.
Cenário que leva também os empresários do setor a reduzir a confiança no mercado. Em fevereiro, o índice de confiança do empresário do setor caiu 4,9% sobre janeiro no país.
O que fazer?
As grandes e médias redes de lojas já fizeram suas apostas para a coleção outono-inverno, até porque elas são pensadas e preparadas alguns meses antes, no caso, no final de 2024.
Mas os lojistas menores começam a se abastecer para a nova estação a partir de agora. Luís Taniguchi, especialista em varejo, dá algumas dicas para os pequenos empresários.
“O varejista menor deve fazer mais ou menos o que fizeram as grandes redes, que é investir em peças para a meia-estação, pois tudo indica que o inverno não será rigoroso no país”, diz.
Outra sugestão, diz, é comprar o que está se chamando no mercado de ‘coleção cebola’. São peças mais leves, como jaquetas, corta-vento, camisetas, que possam ser sobrepostas.
Cores e modelos dessas peças devem resultar num look que siga as tendências da moda e que o consumidor não passe frio em caso de dias de inverno mais intensos.
Adquirir peças de verão com cores de inverno também é uma alternativa interessante, diz. Vinho, azul marinho e preto são opções.
Vale lembrar que o estilo Boho, tecidos fluidos com estampas miúdas, com movimento, também é tendência no mundo da moda neste ano.
“O lojista também deve trazer novidades em relação ao ano anterior. Se no ano passado ele vendia jaqueta jeans, neste ano pode investir em peças em nylon, por exemplo”, diz Taniguchi.
Outra dica do especialista é evitar a compra de produtos-família, aqueles que têm a mesma estampa em pijamas curtos, longos, camisolas, roupões.
“Isso limita a compra, pois dificilmente um cliente vai comprar várias peças com a mesma estampa. Agora, o lojista pode apostar em temas e usar tecidos, por exemplo, que remetem à natureza, em uma coleção harmônica.”
Para Pina, da Fecomercio, pior do que não vender, é ter estoque alto e ter de desovar os produtos com prejuízo. “Portanto, cautela nos estoques”, diz.
“O ideal para o lojista é não precisar fazer promoção e vender tudo o que comprou no prazo programado e com preço adequado.”
Perspectivas
Este deve ser mais um ano difícil para o setor de confecção. No ano passado, o setor de vestuário cresceu 3,9% em número de peças e 6,5% em valores nominais em relação a 2023, de acordo com levantamento e projeções do IEMI.
Neste ano, o inverno já começa com números menores ainda, 1,8% de alta em peças e 5,3% em valores nominais, cenário que não deve mudar muito ao longo do ano.
“Deve ser um ano ainda mais desafiador para os lojistas de moda. PIB com baixo crescimento, renda comprometida, inflação resiliente, juros altos têm impacto na renda do consumidor. O que sobra no orçamento vai para a compra de alimentos, não de roupas”, afirma Prado.
Quem está ganhando mercado no Brasil, de acordo com o IEMI, são mesmo os importados.
Em 2022, de acordo com o IEMI, a participação das peças de fora no consumo de roupas no país era de 18,5%, percentual que vem subindo e chegou a 21,3% no ano passado.
“Isso não é bom. O país enfrenta, infelizmente, a substituição de produtos nacionais por estrangeiros”, diz.
IMAGEM: Caedu/divulgação