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Dupes e o mercado de luxo da Geração Z

Considerada uma das maiores plataformas de tendências de moda, o TikTok é famoso por gerar verdadeiras febres e ditar o consumo dos mais jovens. Uma dessas tendências, surgida em 2023, é a dos ‘dupes’ - do inglês duplicate, ou réplicas em português - tomarem conta dos vídeos curtos.

De modo geral, o termo 'dupe' faz referência a produtos que se parecem com outros do mercado de luxo, em especial do mundo da moda, mas com preços bem mais baixos. Eles não reproduzem fielmente os produtos replicados, mas se inspiram neles.

O que se costumava ver dentro do TikTok até pouco tempo atrás eram itens nesses moldes feitos por empresas desconhecidas e que deixavam essas opções no limite da legalidade. Dentro desse universo, é natural a confusão entre os conceitos de réplica e falsificação.

De modo geral, réplica é a reprodução de um produto a partir da autorização do original, e que não tem a intenção de se passar pelo original ou se valer de uma logomarca. Já a falsificação é uma reprodução fiel, sem autorização, de uma marca ou um artista criador do original, com materiais de qualidade inferior e técnicas de produção mais baratas.

Enquanto a réplica pode ser vendida legalmente, a falsificação é considerada crime e pode resultar em consequências graves, incluindo multas e prisão. Entretanto, trata-se de uma discussão mais profunda e pouco definida.

Na prática

A Birkin, uma das bolsas mais desejadas do mundo, vendida e produzida pela Hermès, custa em média US$ 10 mil e sua produção é limitada. Alguns exemplares permanecem disponíveis apenas uma ou duas estações por ano, e ter acesso a eles não é tão simples. É preciso ter um histórico de compras na loja, se fidelizar e ter uma relação com o assistente de vendas para entrar na lista de reserva.

O tempo de espera para conseguir uma Birkin pode chegar a anos, dependendo da disponibilidade do modelo solicitado. Enquanto espera, o mais assertivo é seguir frequentando a butique, gastando para ganhar relevância entre os nomes que aguardam uma chance.

O modelo da Hermès foi feito em homenagem à atriz e ex-modelo Jane Birkin, em 1984, durante um voo de Paris para Londres, quando Jean-Louis Dumas, ex-presidente e diretor artístico da Hermès, ouviu da celebridade que ela desejava uma bolsa que se adequasse às suas necessidades. Dumas desenhou ali mesmo um modelo para agradá-la.

Mais de 40 anos após a inspiração do artista, essa bolsa ainda gera muita discussão. Sem muita cerimônia, o Walmart lançou a sua réplica da Birkin no fim de 2024 - apelidada de Wirkin. O modelo tinha valores que partiam de US$ 78 (cerca de R$ 460) nos Estados Unidos. E, claro, viralizou.

Anúncio do Walmart com bolsa similar à Birkin, da Hermès

 

As redes sociais tiveram papel fundamental nisso. No TikTok, onde há uma valorização das réplicas e da contracultura, os 'dupes' são tidos como um fenômeno cultural e que geram muito conteúdo. A bolsa do Walmart carregava muita semelhança com a original e o produto, que estava disponível em 12 cores e dois tamanhos, esgotou em poucos dias.

Com tanto bafafá, o anúncio foi removido do site do Walmart. Muitos compradores compartilharam relatos nas redes sobre seus pedidos cancelados e não se falou mais nisso. Nem Walmart nem Hermès se pronunciaram sobre o caso.

Na opinião de Alice Neves, especialista em comportamento do consumidor, abordar o assunto pode ser desconfortável e complicado. Isso porque todo mundo sabe que a indústria da moda é regida por repetição e, portanto, nem sempre é fácil fixar um produto específico como o "original" - embora nesse caso tenha sido. E ainda que algumas evidências, como a data de lançamento, por exemplo, possam ajudar nisso, o que as redes sociais mostram é que condenar essa prática pode provocar uma reação em massa negativa. Enquanto alguns falam em cópia, outros defendem a democratização do luxo.

Publicação no Pinterest faz referência a opções de dupes

 

De qualquer modo, ver cópias de bolsas de grife por aí não é algo novo. Alice destaca que a literatura mostra que copiar sempre foi algo da indústria da moda. Na metade do século XX, fabricantes americanos que produziam em grandes volumes estavam habituados a copiar as passarelas de alta-costura de Paris.

O que muda no caso citado acima é ver o nome do Walmart associado a um 'dupe' tão bem executado, com o mesmo layout e com material de alta qualidade. A cultura dos 'dupes' se alastrou nas redes sociais com uma produção ultrarrápida, até mesmo por parte das fast fashion.

"Para quem conhece, fica claro que se trata de uma releitura. É um couro mais mole, uma bolsa menos estruturada, com uma alça transversal que a original não tem. E os consumidores fazem questão de mostrar que a bolsa é uma releitura e que pagaram menos por aquilo", diz Alice.

Gigantes como Shein, Temu, AliExpress e eBay se tornaram a mina de ouro de muitos consumidores que compram exclusivamente por suas seleções de 'dupes'. No varejo físico, grandes marcas também exibem suas versões de produtos icônicos. Muito desse movimento é incentivado por influenciadores com milhões de curtidas e que as promovem com comissões de afiliados.

Vendo por outra perspectiva, Alice destaca que um produto de sucesso representa um momento decisivo para designers independentes e marcas pequenas. Esse momento os ajuda a ganhar reconhecimento, aumentar lucros e ampliar o acesso a suas criações, sendo que, muitas vezes, os 'dupes' podem colocar tudo a perder. Em 2020, por exemplo, a indústria perdeu cerca de US$ 50 bilhões devido a produtos falsificados, conforme dados da consultoria Certilogo.

A pergunta que fica, segundo a especialista, é quanto tempo esses profissionais têm antes que comecem a popularizar suas invenções? O TikTok está cheio de vídeos recomendando alternativas a produtos badalados e isso não deve acabar cedo. Por essa razão, Alice acredita que, para as marcas, lidar com os 'dupes' se tornou inevitável.

A especialista argumenta que comprar um produto de desejo - na grande maioria das vezes original - é mais do que investir na qualidade e desempenho do item. É também uma questão de identidade, já que usar determinada marca significa algo.

"É algo aspiracional, que para alguns é inegociável. O embate não vai acabar. Minha maior aposta é que as marcas irão descobrir que seu maior concorrente não é quem as copia, mas sim o consumidor, que está evoluindo e irá se perguntar: 'por que aquele logotipo vale o preço?'", disse.

Nesse sentido, ela indica que transparência nos processos de produção, investimentos em qualidade e inovação podem ser alternativas potentes para reverter esse cenário, que pode ameaçar o significado de originalidade e qualidade no mundo da moda, que se encaminha para um ciclo de consumo descartável.

O peso da Geração Z

Maya Mattiazzo, professora de Canais Digitais do Hub de Moda e Luxo da ESPM, concorda e defende que mudar o foco da comunicação, achar maneiras de educar os consumidores sobre o valor do original, ensinar sobre o design e o trabalho envolvido em cada peça pode tornar tudo mais sustentável e significativo para ir a além do aspiracional.

"E a Geração Z tem tudo a ver com isso, porque não tem vergonha de falar sobre o assunto", aponta Maya.

Nas redes sociais é possível encontrar 'dupes' de quase tudo. O processo de compra desses itens está muito relacionado a uma "compra inteligente”. Segundo Maya, o raciocínio é que um produto de R$ 50 entrega o mesmo que um produto de R$ 500. Segundo ela, questionamentos assim começam a "cascatear nas gerações mais novas, criando uma dinâmica nova de percepção de valor."

De acordo com a professora da ESPM, não é que antes ninguém consumisse dessa forma, mas não se falava sobre isso de forma aberta, pois a percepção era de que, por não ter dinheiro, se estava em busca de um produto mais barato. Então, o comportamento estava associado à ausência de poder aquisitivo e não a uma compra inteligente.

"Os valores atribuídos aos produtos estão mudando. Se uma peça de qualidade duvidosa entrega o mesmo efeito que um item considerado caro por um público, os jovens não têm problema algum em adquirir a versão barata dele. A velocidade com que as tendências estão indo e vindo faz com que passemos a prezar menos pela qualidade e mais pela estética. Nessa realidade, por que ter uma bolsa que vai durar duas gerações?", questiona Maya.

Já do ponto de vista ético, a questão é a seguinte: em que ponto um item deixa de ser um 'dupe' e passa a ser uma falsificação? As opiniões se dividem. Há quem argumente - e defenda - que 'dupes' são propostas parecidas, enquanto uma falsificação finge ser determinado produto.

Sempre envolvido na pauta de autenticidade no mercado de luxo, Vidyuth Srinivasan, CEO da Entrupy, diz não haver uma distinção oficial, e que, na prática, 'dupes' e falsificações são essencialmente a mesma coisa. Para ele, o termo 'dupes' é algo totalmente declaratório e que só funciona no ambiente on-line.

Vale lembrar que a Entrupy é um sistema de autenticação de produtos de luxo que utiliza inteligência artificial (IA) para verificar se itens como bolsas e acessórios são, de fato, originais. O processo envolve a captura de imagens detalhadas do item, análise dessas imagens por um algoritmo de IA e a emissão de um relatório que indica se o item é autêntico ou falsificado.

Ainda assim, o movimento pró-cópia tomou tal proporção que, segundo Maya, virou cultural, formando uma camada de clientes que corresponde a 2 milhões de pessoas no mundo. "As redes sociais levaram a informação para pessoas que nem sabiam da existência da Hermès, mas que passaram a desejar a bolsa porque viram os influenciadores usando. O que move esse cenário nos dias de hoje é a demanda por 'dupes' e o acesso."

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IMAGENS: reprodução