
Como driblar o tarifaço imposto por Trump no campo tributário?
Procurar novos mercados, reduzindo a dependência dos Estados Unidos, aproveitar as medidas emergenciais adotadas por alguns Estados, que incluem a liberação de créditos do ICMS aos exportadores, usufruir da linha de crédito de R$ 30 bilhões incluída no pacote anunciado pelo governo federal para socorrer empresas mais prejudicadas. Essas são algumas das medidas anunciadas e colocadas à mesa para minimizar os impactos da tarifa de 50% imposta por Donald Trump a uma lista importante de produtos exportados pelo Brasil. Mas, na avaliação de advogados tributaristas, os reflexos do tarifaço também podem ser mitigados por meio de planejamento tributário, o que pode implicar na reestruturação dos negócios. Carlos Eduardo Navarro, sócio do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, elenca dois planejamentos tributários típicos que poderiam ser adotados pelos exportadores brasileiros, em comum acordo com importadores americanos: Código novo - O primeiro envolve eventuais modificações no produto exportado com o objetivo de alterar o código de classificação tarifária e, com isso, enquadrar o produto na lista de exceções. Quase 700 produtos ficaram fora do radar da tarifa de 50%. “Só existe um código correto. Então, não é possível escolher o mais barato do ponto de vista tributário. Eventualmente, no entanto, é possível fazer modificações no produto para alterar o código de classificação fiscal”, explica. O especialista lembra de casos de reclassificações fiscais de produtos bem-sucedidas no mercado interno. O sonho de valsa, por exemplo, tradicionalmente considerado bombom, foi reclassificado por sua fabricante, a Mondelez, como biscoito wafer. Com isso, deixou de pagar IPI, pois passou a ser enquadrado na categoria de padaria, que é isenta desse tributo. A mesma estratégia foi seguida pelo McDonald’s, que conseguiu reclassificar seu sorvete de casquinha como sobremesa láctea, zerando a alíquota do PIS/Cofins. A alíquota normal para sorvetes seria de 3,65% ou 9,25%, dependendo do regime tributário da empresa. “Estamos discutindo no momento com uma fabricante de químicos a possibilidade de realizar uma alteração na composição do produto, alinhada com o cliente dela nos Estados Unidos, com o intuito de fugir do tarifaço”, informou. Outra estratégia, explica o advogado, é pensar na possibilidade de fatiar a remuneração pelo produto em intangíveis, como serviços ou direitos, como, por exemplo, prestar serviços de instalação nos EUA ou licenciar uso de marca. Um vendedor de máquinas, por exemplo, poderia adicionar serviço de instalação para o cliente americano, com um eventual desconto no valor da máquina. Ou seja, a ideia é transferir parte do valor do produto para algum tipo de serviço que seja adicionado, reduzindo a base de cálculo da nova tarifa de importação. Já os exportadores de roupas poderiam usar como estratégia, em vez de simplesmente vender o produto, receber royalties pelo uso da marca, reduzindo, assim, o valor do produto sujeito ao impacto da tarifa. Todas as medidas, ressalta o advogado, podem ser tomadas com o aval dos importadores, que terão que pagar dois “boletos” diferentes. “São caminhos que podem exigir uma reestruturação nos negócios. Se bem desenhados e implementados, reduzem o impacto do tarifaço”, conclui. Ajustes contratuais - Para Elias Menegale, do Paschoini Advogados, o recente aumento das tarifas pelos Estados Unidos tem gerado repercussões significativas no comércio internacional, exigindo das empresas estratégias rápidas e eficientes para preservar a competitividade. Sob a ótica tributária, ressalta o tributarista, a resposta passa necessariamente por um planejamento mais estratégico com o objetivo de minimizar o impacto da nova tarifa. Empresas multinacionais, por exemplo, podem avaliar a possibilidade de transferir operações para países que ofereçam incentivos fiscais atrativos ou tarifas de importação e exportação mais baixas, assegurando, assim, condições mais favoráveis para seus produtos e serviços. Outro caminho interessante, na sua visão, são ajustes contratuais que visem reduzir a base de tributos incidentes sobre operações internacionais, como aqueles relacionados a fretes e seguros. “A revisão das bases da tratativa comercial é um movimento que já vem acontecendo. A ideia é buscar alternativas de redução nos elementos que compõem um contrato de comercialização, como a troca do modal de transporte ou a redução da margem de lucro, de forma a reduzir o impacto da tarifa de importação”, explica. Para o tributarista, o aproveitamento de incentivos estaduais ligados às exportações, a exemplo de regimes especiais e diferimentos de ICMS, também permite amenizar os impactos tributários nesse cenário. São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás, ressalta, são alguns dos estados que já anunciaram pacotes emergenciais para as empresas, que incluem medidas como a liberação de créditos do ICMS, facilidade de acesso a financiamentos públicos e flexibilização de exigências para empresas com benefícios fiscais. O estado paulista, por exemplo, anunciou que vai autorizar a liberação de R$ 1,5 bilhão em créditos acumulados de ICMS, por meio do programa ProAtivo. Para as empresas que exportaram mais de R$ 20 milhões aos Estados Unidos nos últimos quatro anos, poderá ser solicitada a liberação de seus créditos até o limite de R$ 120 milhões, respeitando os critérios definidos nas normas. Para as demais, o limite por empresa será de R$ 30 milhões. “Tais iniciativas podem representar um importante alívio para as empresas que buscam soluções de curto prazo, ao mesmo tempo em que planejam estratégias estruturais para enfrentar as novas barreiras comerciais impostas pelo mercado norte-americano”, diz. Riscos - Na opinião de Paula Beatriz Loureiro Pires, sócia do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados, sob a ótica do direito tributário brasileiro, não há nada que possa ser feito. “A solução é política e de comércio internacional, não tributária”, afirma. A mesma visão tem Rafael Balanin, tributarista do Gasparini, Barbosa e Freire Advogados. “O planejamento tributário nesses casos é bastante difícil, já que a mercadoria é tributada quando chega nos EUA”, pondera. Para o advogado, sugerir soluções por meio de planejamento é arriscado neste momento.