
Bracher: aquecimento global é problema de todos, de governos e de empresas
O diagnóstico é simples, até óbvio: para combater o aquecimento global, é necessário reduzir as emissões de dióxido de carbono. A chave da questão está em dois personagens: quem participa do esforço – que pode ser até uma atividade rentável – e quem coordena. A análise é de Candido Bracher, integrante do Conselho de Administração e ex-CEO do Itaú Unibanco. Segundo ele, falta coordenação global sobre o tema. “Não há nada que possa ser feito isoladamente”, afirmou, durante evento promovido na segunda-feira (28) pelo Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Segundo ele, como não podemos combater isoladamente, é preciso influenciar os fóruns globais, referindo-se ao Brasil. “Essa é a nossa tarefa. A gente precisa se credenciar para essa discussão. É o principal elemento da nossa força diplomática.” Durante o período em que esteve à frente do banco, de 2017 a 2021, Candido Botelho Bracher já incluía a questão ambiental nos temas que deveriam figurar entre as principais preocupações do mundo corporativo. Chegou a envolver os concorrentes privados Bradesco e Santander em uma ação coordenada de defesa da Amazônia. Em entrevista recente, declarou que essa preocupação ainda é marginal no meio empresarial. Para mudar isso, disse ele, na ACSP, é preciso rever hábitos e processos. “O que funciona é colocar um preço nas emissões de carbono.” Ou seja, fazer com que empresas e governo sintam a importância do tema em seu setor mais sensível: o bolso. Para ele, cada vez mais as questões climáticas devem ser incorporadas às decisões econômicas. Mas não será tarefa fácil. O Acordo de Paris, firmado em 2015, previa limitar em pelo menos 1,5º C o aquecimento em relação ao período pré-industrial. “De lá para cá, só fez crescer”, afirmou. Assim como as emissões de carbono, que passaram de 40 bilhões de toneladas no ano passado, segundo o Global Carbon Project – 37,4 bilhões de toneladas de carbono mais 4,2 bilhões de toneladas por mudanças no uso da terra (como desmatamento), fazendo as emissões totais atingirem 41,6 bilhões de toneladas em 2024, acima dos 40,6 bilhões de toneladas de 2023. China - EUA Como Bracher afirmou, o esforço precisa ser global. Não basta que um governo tome iniciativa individualmente. Nem da dupla de países que lidera esse ranking negativo: a China, responsável por quase um terço das emissões – dependendo da fonte o porcentual varia de 31,5 % (OurWorldinData) a 32,9% (WorldoMeter) –, ou dos Estados Unidos, com 13%. Os americanos lideram na emissão per capita. O Brasil, até pouco tempo atrás menos atingido diretamente pelas alterações climáticas, passou a sentir seu peso com as inundações como as do Rio Grande do Sul e aprofundamento das secas e incêndios. Esse último, inclusive, atingiu uma das fazendas do próprio Bracher, no Mato Grosso do Sul. “Começou em uma fazenda nossa e consumiu 300 mil hectares. Impossível controlar.” Presente ao encontro, o presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine, afirmou que os grandes players mundiais nem sempre seguem os princípios de combate ao aquecimento. E pergunta: como envolvê-los? Bracher disse que os países que menos contribuíram para o problema, os tropicais, são os mais ameaçados. O resultado é a chamada Tragédia dos Bens Comuns, expressão criada para designar conflitos entre o interesse individual, normalmente econômico, e o coletivo. Para ele, é preciso regular o uso desses bens. “Alguns economistas falam que essa é a maior falha da economia de mercado em todos os tempos.” Uma alternativa, diz Bracher, é “comer pelas bordas”. O que seria isso? Seria fomentar uma coalizão entre países ou regiões que têm levado a questão mais a sério. Ele cita como exemplo países da Europa e a Austrália. Nesse sentido, o Brasil mostra boas perspectivas: “Tem capacidade de gerar energia [limpa] como praticamente nenhum outro país tem. Seja pelo seu potencial hídrico, solar e de vento.” Segundo o ex-ministro Andrea Matarazzo, vice-presidente da ACSP, é preciso liderança para ligar todos os interesses em jogo – governo, ONGs, empresas, fundos de investimento. Educar Para o coordenador do Conselho do Agronegócio, Cesário Ramalho da Silva, falta atenção à construção de educação ambiental sólida, pautada em dados científicos e que possa ser replicada para todos os públicos, inclusive os menores. De acordo com ele, 80% do agro, no Brasil, é formado por pequenas propriedades. Na mesma linha de pensamento, a pesquisadora e bióloga Juliana de Sousa Nogueira, convidada para a reunião na sede da ACSP, disse que há um abismo entre o que diz a ciência e o que a população entende sobre o tema. “Estamos falhando em traduzir para a sociedade o que está acontecendo.” Diante de mudanças sensíveis aos olhos – e aos bolsos – trazidas pelas intercorrências climáticas, Bracher lamenta que o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, considere o aquecimento global uma “fraude”, como chegou a afirmar. “Eu tenho esperança de que, pelos caminhos errados e tortos, a questão ambiental sairá fortalecida depois de quatro anos do governo Trump.” Nesse período, ele espera que a consciência em torno do tema aumente. Segundo Bracher, não é uma questão de esquerda ou direita, “até porque todos vão fritar em um planeta superaquecido”. Recentemente Bracher passou a compor o conselho da Meridiana, que se apresenta como “organização brasileira de inteligência política que apoia tomadores de decisão na conexão entre natureza e desenvolvimento econômico”. A entidade tem a cientista política e pesquisadora Mônica Sodré como diretora-executiva. Outro integrante do grupo é o economista Álvaro de Souza, presidente do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), ex-chairman do Santander e ex-presidente do Citibank e da Câmara Americana de Comércio de São Paulo (AmCham). IMAGEM: Cesar Bruneli/ACSP